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Horticultura Social e Terapêutica

2013/01/10

MOURÃO, Isabel de Maria e BRITO, Luís Miguel (coord.) – Horticultura Social e Terapêutica. Porto: Publindústria, Edições Técnicas, 2013. 307 p. ISBN 978-989-723-031-8.

  • Preço: €10,00 (inclui o valor da taxa de IVA legal em vigor)
  • Como encomendar: contacte-nos através do e-mail: arquivo@cm-pontedelima.pt

Apresentação

Atualmente, a palavra agricultura está muito marcada pela transformação que se verificou desde a década de trinta do século passado. É uma herança que decorre do emprego generalizado da motomecanização e de produtos químicos, nomeadamente adubos, herbicidas e fitofármacos.

A hegemonia deste legado tem vindo a ser contrariada por alguns investigadores e agricultores que se têm empenhado em práticas agrícolas com uma base técnica diferente e com objetivos que não se limitam à rentabilização económica das quantidades produzidas. É neste trabalho de renovação que se insere este livro dedicado à horticultura social e terapêutica, em hortas urbanas e atividades com plantas em modo de produção biológico. Trata-se de um livro inovador e consistente, que vem na continuação das linhas de investigação dos seus editores, os professores Isabel Mourão e Miguel Brito.

A renovação, antes referida, pretende fundamentar novos objetivos para as práticas agrícolas e contrariar algumas das consequências da agricultura químico-mecânica.

Esta rompeu com as formas de produção que exigiam uma continuada harmonia com a natureza, dado que as tecnologias em que se apoia permitem aumentar os graus de liberdade na relação com o meio. A especialização e os conhecimentos técnicos impuseram-se igualmente aos saberes locais e tradicionais, ao mesmo tempo que se esbatia a ligação direta e quotidiana entre o cultivador e a planta: este relacionamento passou a ser mediado, de modo impessoal e genérico, pelas máquinas e pelos efeitos dos produtos químicos. As plantas, como os animais, passaram a ser apenas produtos a obter, e depois a vender ou a consumir. Declinou assim a dimensão mágica e simbólica dos segredos da produção, das plantas e dos animais. A vinha não voltou a ser a «erva da vida». A maldição da figueira foi sendo esquecida e hoje já ninguém conta aos netos que dela virá um sinal do fim do mundo, pois não será fértil nos cinco anos que o precederem. O diabo já não toma a forma de um galo e, à noite, uma galinha na rua já não é uma feiticeira. Os exemplos poderiam multiplicar-se.

O triunfo da agricultura motomecanizada, trabalhando com espécies animais e vegetais melhoradas e recorrendo largamente a produtos químicos, legitimou-se com o seu imenso sucesso produtivo, e contribuiu, nas zonas do mundo em que se impôs, para o erosionamento das agriculturas tradicionais e para a alteração dos modos de vida rurais. Emergiu, assim, como a agricultura, estando todas as outras formas de produção destinadas a tomarem o mesmo rumo ou a tornarem-se residuais.

Este destino não veio a ser cumprido, pois a par dos êxitos produtivos da agricultura, começaram também a ressaltar limitações e debilidades. A relação que estabeleceu com a natureza revelou-se, em muitos casos, devastadora. A publicação, em 1960, do livro a Primavera Silenciosa, da autoria de Rachei Carson, marcou, de modo relevante, o despertar da preocupação com as suas consequências ambientais. Desde então, esta preocupação acentuou-se e hoje é aceite de modo generalizado.

Do mesmo modo, esboroou-se a convicção de que o potencial produtivo da agricultura poderia alimentar o mundo. De facto, nestas primeiras décadas do século XXI, oitocentos e setenta milhões de pessoas - uma em cada oito, das que povoam o planeta - encontram-se subalimentas. Destas, a maior parte são famílias camponesas que não dispõem de meios que lhes permitam produzir, nem têm capacidade económica para adquirirem alimentos no mercado. Este último motivo também contribui para agravar a situação alimentar de largos setores da população urbana.

Paralelamente, foi-se tornando nítido que o desaparecimento dos saberes tradicionais que guiavam o convívio dos homens com os seres vivos que os rodeavam, e que asseguravam a vitalidade das economias domésticas (cozer o pão, fazer enchidos, dominar a arte do linho e do tear, ...) e a continuidade da produção agrícola em harmonia com a natureza comprometia a procura de soluções que podem resolver alguns problemas decorrentes da agricultura. Além disso, dificultava a procura de relações renovadas dos homens com as plantas e os animais, que permitissem ultrapassar a mediação impessoal dos meios químicos e da motomecanização.

Face a estas consequências, foi sendo questionada a hegemonia da agricultura e foram sendo procuradas novas vias, tanto para a relação com o meio, como para a questão alimentar.

Assim, revalorizou-se o fortalecimento da agricultura camponesa como suporte para a alimentação e para o modo de vida de muitos milhões de famílias. A própria agricultura urbana, em particular as hortas urbanas, ganhou um forte impulso, e a prática da horticultura' desenvolveu-se também como um contributo à inclusão social (deficientes, prisioneiros, sem-abrigo) e com objetivos pedagógicos. Fortaleceram-se, igualmente, opções para uma melhor relação entre a produção e o meio.

Como exemplos, podem referir-se a agricultura de precisão, a produção integrada e a proteção integrada. Mas, nesta dimensão, impôs-se sobretudo a agricultura biológica, cuja designação vem já do início dos anos quarenta do século XX, e que registou nas últimas três décadas uma crescente expansão e aperfeiçoamento nas técnicas do cultivo. Dado o lugar central que tem neste livro, convém explicitar, com clareza, o que se entende por agricultura biológica: um «modo de produção de alimentos vegetais e animais, sem utilização de adubos e pesticidas químicos de síntese, de organismos geneticamente modificados, de antibióticos e hormonas, e com recurso a técnicas que procuram respeitar o equilíbrio dos ecossistemas agrários e a biodiversidade».

Para além destas alternativas às questões alimentar e social, e ao confronto entre a produção e o meio, o campo das agriculturas tem vindo a diversificar-se em torno do convívio entre os homens, as plantas e os animais: não por retomarem crenças ou mitos antigos, mas por renovarem saberes tradicionais e irem descobrindo a importância que as práticas agrícolas podem ter na terapia de incapacidades físicas e mentais, no bem-estar das pessoas e no apoio ao envelhecimento.

Este livro é um contributo muito relevante para consolidar novas vias na horticultura, um dos ramos que compõem a agricultura. Depois de dois capítulos de enquadramento, reúne a análise esclarecedora de experiências que evidenciam os benefícios terapêuticos e sociais da prática da horticultura biológica, e enfatizam os contributos que estes podem trazer para a sociedade. Simultaneamente, impõe uma reflexão sobre a investigação e o ensino que, com demasiada frequência, apenas se preocupam com a velha herança e menorizam os novos caminhos.

Fernando Oliveira Baptista

(Professor Catedrático do Instituto Superior de Agronomia/Universidade Técnica de Lisboa)